segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A Aldraba vai estar em Pias na 6ªf 28.8 e em Campo Maior no sáb. 29.8

Nos próximos 6ª feira e sábado, dias 28 e 29 de agosto, a nossa associação vai estar presente em dois relevantes eventos culturais no Alentejo.

No dia 28, a partir das 19 horas, participaremos na inauguração do Espaço Museológico da Freguesia de Pias, que é um trabalho notável desta autarquia, ao qual se dedica um artigo no último nº da nossa revista. Durante a inauguração, o autor desse artigo, Luís Maçarico, fará uma intervenção realçando os aspetos inovatórios da montagem daquele espaço museológico, e serão também apresentadas a associação ALDRABA e a sua revista.

No dia seguinte, durante a parte da tarde, a ALDRABA marca presença nas Festas do Povo de Campo Maior, que é um grande acontecimento atualmente em curso naquela vila do Alto Alentejo. No espaço de que a poetisa campomaiorense Rosa Dias, nossa associada, dispõe nas Festas (junto ao Jardim) faremos a divulgação da revista e, em particular, do trabalho que publicámos no nº 17 acerca do Centro de Ciência do Café.

Todos os associados, amigos e familiares são convidados a aparecerem em Pias e/ou em Campo Maior, disfrutando e apoiando estas festas populares.

JAF





quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Nome de localidades em azulejos (cont. 26)

Novamente a partir do blogue "Diário de Bordo", que felicitamos, reproduzimos hoje o registo fotográfico de Manuel Campos Vilhena acerca da placa toponímica de Malgas, no concelho de Sobral de Monte Agraço, distrito de Lisboa.

Para nós, o post de hoje representa que já publicámos 149 placas diferentes publicadas, de 133 localidades em 15 distritos do país.

JAF

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Portugal, país querido













De uma obra de ficção, extraímos um texto de rara beleza, que descreve o quotidiano abnegado de um militante clandestino, no Portugal do fascismo. O autor, que usava o pseudónimo de Manuel Tiago, foi um grande dirigente político português, nascido em 1913 e falecido precisamente há 10 anos, em 2005:

Fora o último encontro. Agora, tratava-se de regressar a casa. Às 10 da noite, vendo-se na estrada livre e escura, acomodou-se melhor no selim, apressou o pedalar e ouviu com prazer o chiar dos pneus no asfalto molhado.

(…) Só quando chegou a subida das oliveiras teve a noção da própria fadiga. Não foi além do primeiro marco. As pernas recusavam-se, tinha o corpo alagado em suor e respirava fundo, como se o ar pudesse ir desalojar-lhe do peito a angústia crescente.

Tendo andado mais de cem quilómetros de bicicleta contra o vento e aguentado algumas cargas de água, as batatas que comera ao meio-dia estavam moídas e esmoídas e o organismo cansado pedia novo auxílio. “Tenho de comer alguma coisa”, pensou. E lembrou-se que dali por légua e meia encontraria ainda certamente aberta aquela pequena venda do homem curioso. Ao cimo da ladeira, embalou e deixou correr.

A aragem fresca e húmida fustigava-lhe rosto e pescoço e entrava-lhe pelos punhos, braços acima, revigorando o corpo fatigado. Mais um pouco, comeria um quarto de pão com o mais que houvesse e o resto seguiria melhor.

A venda estava fechada. Na rua escura e silenciosa da aldeia não se enxergava vivalma. Vaz viu então na sua frente todo o longo percurso até casa (…) Viu as aldeias, os casais, as matas, as pontes. E, sentindo a lassidão do corpo e a crescente vontade de se deitar e de se cobrir, lembrou-se do rosto indignado de um camarada médico discordando do ritmo de trabalho nos últimos dois anos: “Andais a matar-vos!”

(…) Todo o cansaço lhe tombava nos olhos. O médico não tinha razão. Há muitas formas de morrer. Via-o como se fosse hoje. Parecia zangado. Depois sorria. Hã?!

A roda resvalou. Procurou ainda segurar-se, mas uma força invencível o atirou pelo ar de encontro à terra, enquanto a bicicleta, dando cambalhota estranha, se ia enrolar na valeta. O farolim apagou-se. Na fundura da noite, em que só muito ao longe se via um salpico de luzes, de novo ouviu o coaxar das rãs, indolente e repousante.

O dínamo funcionava. Ajeitou um ombro dorido, endireitou o guiador e seguiu um bocado a pé, batendo ruidosamente com as botas a espantar o sono.

(…) Quando, já passada a meia-noite, chegou a uma comprida ponte que separava as duas metades de uma aldeia e imaginou a íngreme subida que tinha pela frente, dobrou-se-lhe o cansaço, o peito apertado numa tenaz. Se tudo corresse bem, não chegaria a casa antes das 3 horas.

(…) Depois viria aquela recta de três árvores, e a curva de areia, e o bocado plano com casita de onde uma vez uma miudinha lhe dissera adeus, e a rampa encurvada e enganadora cuja inclinação é muito maior do que parece, e mais a grande serpentina da estrada cortando com largueza o planalto, e depois a pequena aldeia, primeiro sinal de vida após três quilómetros de deserto, e de novo subir, subir, subir até ao alto dos moinhos.

Quando ali chegava e sentia vindo do Norte o bafo frio da noite afagar-lhe a pele suada, costumava pensar: “Estou aqui, estou em casa”. E era com novas forças e nova alegria que se lançava a mais uma hora e meia de caminhada, mais trinta quilómetros de estrada dura e difícil.

Agora faltava ainda muito para “estar em casa”. Ainda algumas luzes tímidas da aldeia junto à ponte se viam abaixo, muito abaixo, como enterradas na massa informe da noite. Adivinhava lá no fundo o rasto sinuoso do ribeiro e as encostas despidas olhando-se por cima das curvas do vale.

Parou um instante. Nem vento, nem chuva, nem uma voz humana, nem um grito de ave, nada perturbava o belo e trágico silêncio da noite. Mas, ao chegar ao muro branco, bateu-lhe em cheio nos ouvidos o cantar distante dos moinhos: Uuu… Uuu… Uuu…

Com que alegria recebeu aquele anúncio do alto. Não era só a antecipação do momento em que teria vencido a grande subida. Era também uma companhia amistosa no descampado. Sabia bem que aquele canto, umas vezes ténue e amortecido pelas encostas que se interpunham, outras vezes ousado e aberto como se toda a atmosfera fosse sua, umas vezes melancólico e fugitivo, outras ameaçador e exaltado, e cada vez mais próximo, mais sentido, mais arrebatador, não o abandonaria até chegar lá acima.

Apesar do cansaço, da fome, do sono que voltava e da fatigante escuridão, sentia-se embalado pela canção estranha e pensava que só por isso valeria a pena passar por ali a horas mortas.

Ó Portugal! Como és belo, na diversidade acolhedora da tua paisagem, na pureza e nos caprichos da tua atmosfera, na melancólica bondade da tua gente! Ó Portugal, país querido! Sairás do longo pesadelo, sairás dele, decerto. O povo acorda e luta.

(...) Na noite, os moinhos cantavam. Um cheiro doce a erva e a terra molhada andava na negrura do ar. Arfando, Vaz caminhava sempre, num passo certo e arrastado, e as pálpebras pesavam mais e mais. Ia acordado ou adormecido?

Álvaro Cunhal, “Até amanhã camaradas”

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Acerca do gaspacho

Nestes dias do ano, um bom prato de gaspacho faz as delícias das gentes do sul do nosso país.

Sobre o gaspacho, recuperamos aqui um excerto de um artigo publicado, em outubro de 2012, no nº 12 da revista ALDRABA, pela nossa amiga Susana Gómez Martínez, arqueóloga espanhola há longos anos radicada em Mértola:

"...o Património Ibérico sustenta-se pela indiscutível realidade física que é a própria Península. É certo que esta quase ilha alberga uma enorme quantidade de unidades geográficas e culturais nas mais diversas escalas; mas não é menos certo que, desde a Antiguidade, a sua existência é reconhecida por geógrafos e historiadores. As condicionantes climáticas, geológicas, topográficas ou biológicas (entre outras muitas) proporcionam aos habitantes da Península Ibérica um conjunto de recursos que são a matéria-prima com que se vão construindo costumes, saberes e, claro está, também monumentos e obras artísticas.

Mas esta realidade física incontornável é moldada pelo outro eixo que governa a nossa existência, a História. Espaço e tempo são dois dos ingredientes fundamentais da vida. Se olhamos a História comum numa perspectiva longa, os grandes processos históricos, que condicionaram a nossa existência actual, decorreram sem olhar a fronteiras que, em alguns casos, só foram criadas muito depois e, em outros, não foram obstáculo para o seu desenvolvimento. Se obviamos os fenómenos pontuais e recentes, e procuramos uma história mais económica e social (hoje em dia muito pouco na moda) e menos política e conjuntural (especialmente quando nos centramos no mundo rural em vez de nas realidades urbanas mais sujeitas à mudança e às influências exteriores), as tradições musicais, os costumes alimentares ou os saberes artesanais são muito semelhantes, frequentemente idênticos.

Pensemos no gaspacho. Em quase toda a Espanha e grande parte de Portugal, é o prato do verão e do calor. Claro que o gaspacho alentejano não é igual ao gazpacho andaluz, mas também é diferente o gazpacho que fazia a minha mãe, do gazpacho da sua vizinha. Mesmo na Andaluzia, existe também o gazpacho blanco, o salmorejo e outras muitas “sopas” cruas e frias. No fundo, o importante no gaspacho não é a receita exacta, mas o saber conjugar produtos da estação para confecionar um prato fresco e apetecível num dia abrasador.

Nos saberes artesanais e nas tradições populares encontramos, também, inúmeros elementos comuns por todo o território da Península Ibérica, mas também inúmeros matizes e pequenas e grandes adaptações aos recursos e condicionantes da região. Será a importância dada às semelhanças ou as diferenças o que nos aproxime de um Património Ibérico ou nos afaste em direcção aos patrimónios nacionais, regionais ou locais. Mas, na minha opinião, esta afirmação não é exacta: do mesmo modo que as identidades são acumulativas, também o Património pode ser sentido cumulativamente. É por isso que faz sentido a existência de um Património da Humanidade e que pode doer-nos a alma quando um monumento é destruído no outro lado do planeta ou quando desaparece uma língua em um outro continente.

O Património tem uma componente importante de sentimento e só se conserva, para além do que é útil, o que se conhece e se quer. Por isso, para que um Património Ibérico exista terá de haver gente que o conheça, que o use e que o ame".

Susana Gómez Martínez