terça-feira, 28 de agosto de 2007

Tradição, património



Tradição
Para além da etimologia (do latim traditio, do verbo trans-dare, dar completamente, de um lado ao outro) e embora ela seja importante para se encontrar o ponto de partida para qualquer discussão, pode definir-se tradição como doação, entrega, transmissão completa, tanto do saber do mestre aos seus discípulos como de uma pessoa ou de um sentimento, dizem os entendidos.

As tradições, autores há que lhes chamam modalidades tradicionais da experiência, conferem legitimidade aos discursos e às acções espontâneas da vida quotidiana e do senso comum. Dão sentido à experiência do homem inserido na sua comunidade de pertença.

Não sendo boas ou más, progressistas ou reaccionárias, elas existem como emanação natural de um grupo, em determinado momento e face a contextos específicos. São imprescindíveis à coesão e identidade desse mesmo grupo de referência, daí que em alturas críticas devam ser preservadas sob pena do contrário poder conduzir à sua descaracterização e/ou destruição.

Tradição e modernidade coexistem no seio de uma mesma sociedade e numa mesma época, numa relação sincrónica, embora conflitual uma vez que a modernidade se assume como ruptura face aos modelos tradicionais. Ambas contribuem para o progresso das sociedades pois podem ser encaradas como o ponto e o contraponto uma da outra.

Jorge Sampaio, que gosta de touradas e de touros de morte e em cuja Presidência se assistiu às quase intermináveis discussões sobre os touros de morte em Barrancos, afirmou no calor desses debates, cito de cor: “deve-se encontrar um justo equilíbrio entre tradição e modernidade”. Provavelmente pensaria na importância de preservar ou proteger os dois grupos em confronto: “barranquenses” e “defensores dos direitos dos animais”.

As tradições são, no meu entender, património a preservar enquanto tal e não como forma de vida ou garante de valores imutáveis. Como mulher não poderia pensar de outra forma!

Atitude profundamente reaccionária será ignorá-las. Conhecê-las, encontrar-lhes origens e sentido e reflectir sobre elas conduz-nos ao conhecimento das nossas raízes, à clarificação do que fomos e de como evoluímos até aqui e fornecem-nos o sentido de orientação da modernidade, uma vez que esta e elas se contrapõe.

Património
Ao falar em património estamos a considerar um conjunto de entidades de natureza cultural que se devem conhecer, valorizar e preservar pelo significado que encerram para um determinado grupo ou para a própria Humanidade na sua totalidade.

A patrimonialização de uma qualquer dessas entidades implica limitações de propriedade, uso e eventual destruição, uma vez que há que garantir a sua preservação, justificada pelo significado simbólico que a condição de património lhe confere, passando o seu controlo e conservação para os domínios do colectivo.

Popular? Imaterial? Invisível?

Popular em contraponto a erudito – por que não?
O Mosteiro dos Jerónimos ou as bandas dos bonecos minhotos estão no mesmo patamar?
A 9ª sinfonia de Beethoven ou a Trigueirinha Alentejana podem ser enquadradas no mesmo tipo de entidades culturais?
Julgo que não, embora reconheça que a fronteira pode ser ténue em determinadas situações ou contextos. Julgo também que, enquanto as primeiras que refiro já não precisam de defensores, as segundas pertencem a um tipo de património que, pela sua fragilidade, existência localizada ou ignorância necessitam, na actualidade, de mais e melhores vozes para que possam ser preservadas e continuadas.

Se o termo imaterial não encerra grandes dúvidas – será sempre constituído pelo conjunto das tais entidades de natureza cultural que não têm expressão física ou material, de que podem ser exemplo as lendas, as crenças ou os contos, já o mesmo não acontece com o conceito de invisível.

Invisível poderá confundir-se com imaterial? Penso que sim, apenas porque um e o outro não são visíveis. Não foi esse o entendimento que, em minha opinião, sempre foi dado a este termo no seio da Aldraba. O conceito de invisível significa que uma qualquer entidade cultural estaria a montante da patrimonialização para a generalidade da sociedade. A Aldraba propunha-se chamar a si a tarefa de contribuir para que tal viesse a acontecer.

Ao ser invisível enquanto património, logo não referenciada ou tratada como tal, necessário se torna desenvolver todas as acções que estejam ao nosso alcance para congregar vontades e forças que conduzam à sua patrimonialização.

Também em relação ao património tenho alguma dificuldade em analisar a questão na perspectiva do reaccionário versus progressista. São rótulos, esses e outros, que prefiro guardar para as atitudes e os comportamentos das pessoas que se colocam na posição quer do “no meu tempo é que era bom”, quer do “tudo o que é velho é para deitar abaixo”.

As questões ambientais, da ecologia, do desenvolvimento sustentado e da preservação de ecossistemas e espécies em vias de extinção pode – penso eu – dar novo sentido às discussões e acções que vierem a ser desenvolvidas em torno destas matérias. Poderão, pelo menos, nortear o sentido da modernidade.

1910, 1926, 1974
Penso que não se deve centrar um qualquer debate sobre património ou tradição em torno destas datas. São, com certeza, de grande importância e relevo para outro tipo de análises de âmbito sociológico noutras vertentes da vida da sociedade portuguesa. Ao assumirem contornos de épocas para-revolucionárias, o calor dos tempos que se lhe seguiram conduziu a rupturas totalizantes em que a sociedade, ou uma pequena e nem sempre significativa parte dela – daí o risco, procura rejeitar o anteriormente estabelecido de uma forma pouco racional não muito consentânea com aquilo que eu penso que deverá ser a distância e o passar do tempo requerido pelos processos de patrimonialização.

Deixo um exemplo: Pedro Homem de Mello afirmava na década de 60, nos ecrãs de televisão, que o Alentejo não tinha folclore. Veja-se a entronização a que se assistiu a seguir ao 25 de Abril a tudo o que era (ou não era) manifestação cultural de cariz alentejano. Eu que, com esta matéria sempre tive uma relação próxima, fiquei chocada não só com as afirmações do primeiro mas também com o abastardamento a que assistiu a seguir a 1974.

O outro
Por muito vasta que seja a nossa cultura e abrangente a nossa esfera de acção individual ou colectiva, não me restam dúvidas que em muitas áreas ou matérias seremos sempre exteriores e teremos uma visão de fora.

Qual é o mal que daí vem ao mundo? Basta que fixemos o nosso papel não no de actores ou líderes da acção, mas talvez caixa de ressonância de outros.

Já imaginaram o melhor dos violinistas a tocar a mais bela peça de música num violino sem caixa de ressonância? Devia ser lindo … só que ninguém ouvia!

Se a Aldraba souber fazer eco de outros, estabelecendo mais e mais activas parcerias com associações e universidades e constituir-se como plataforma de discussão e divulgação de ideias e actuações que lhe mereçam crédito, e souber ser tudo isto de forma construtiva e dinâmica estará a caminhar no sentido do cumprimento dos seus objectivos e da sua razão de ser.

M.ª Eugénia Gomes

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"A ALDRABA"

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Lisboa, Rua do Alecrim










No final da artéria há prédios que não acordam da ruína. Esta Rua do Alecrim tem sido alvo de vários abandonos. Aldrabas surripiadas, esperas que já não podem ouvir a sonoridade daquele belo artefacto das forjas de antanho, portas vandalizadas com inscrições que espelham o vazio do nosso tempo e a agressividade, este mal estar que as cidades mostram nas entrelinhas e na pele das paredes, nos rostos sem sonho.
Todavia, o olhar descobre algumas pérolas para partilhar...
Texto e fotos de LFM
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De "ÁGUAS DO SUL"
Postado por oasis dossonhos às 23:28 3 comentários
COMENTÁRIOS
Bichodeconta disse...
Lindas as fotos, na terça feira fiz imensas da cidade, também por estes lados. Depois mostro. Esta cidade é uma fonte inesgotável de lugares de encanto.
23 Agosto, 2007 21:45
Fernando Pinto disse...
Fico triste quando vejo alguém a destruir o nosso belo património...Abraço do FMOP
P. S. Amigo Luís, criei um fotoblogue, a P&B, e o título foste tu que o deste "sem querer"... Obrigado, amigo poeta!Passa, quando puderes, por
http://frutosdoolhar.blogspot.com
23 Agosto, 2007 22:27
Ana disse...
Lisboa é de facto linda, mas ainda tem muitos e muitos tesourinhos deprimentes, prédios na maior das decadências, abandonados... a cair aos poucos... É inadmissível, quando existe tanta gente a precisar de uma casa para morar... mas é assim, Lisboa não tem culpa,quem toma conta dela é que se devia aperceber destas misérias e intervir. Porém, a especulação imobiliária é mais rentável!!!
24 Agosto, 2007 15:25

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

O meu contributo para o debate

Acerca do texto do José Alberto Franco
Se o Património Popular é depreciado e não brilha, então será também por aí que devemos actuar! Os debates, as intervenções nesta área, para esclarecimento de populações, autarcas, escolas, são vitais. Podem contribuir para outra forma de estar, para uma tomada de consciência, em termos da salvaguarda, revitalização, valorização, promoção e desenvolvimento em torno do Património e do Espaço Popular!
Nesse sentido, julgo que está na hora da Aldraba conceber e organizar mais exposições acerca de temas pouco abordados, como as fontes (tantas vezes abandonadas, mas já revalorizadas em alguns lugares do País) e os morábitos, assuntos que estudei e sobre os quais posso ajudar...
É um grande desafio, bem pertinente questionar tudo o que abarca o Património. E por que não fazer uma espécie de manual de intervenção para os associados da Aldraba?
Todos os contributos são preciosos e gostava de ver todos os dirigentes envolvidos neste debate!
Tradição versus progresso: certas tradições identitárias de um povo, emblemáticas, enquanto motores do turismo local, pela sua especificidade, produzem desenvolvimento. Sendo ancestrais são dinâmicas, porque interagem com épocas, gerações, e com os próprios conceitos de marketing do produto que é objecto de divulgação.
Veja-se a título de exemplo, a Festa dos tabuleiros, as festas do Povo em Campo Maior, o Senhor Santo Cristo nos Açores, a feira da Transumância/Festa dos Chocalhos (re/inventada) em Alpedrinha.
Discordo da ideia que, para os intervenientes das revoluções do 5 de Outubro e do 25 de Abril, a tradição e o património popular representavam o que há de menos estimulante, para o desenvolvimento do país.
Em primeiro lugar, porque ninguém nasce do nada e é sempre importante conhecer, estudar, aprofundar as raízes.
Depois, porque houve muitos contributos de gente comprometida com o espírito revolucionário, no sentido do conhecimento da realidade popular.
Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso, Fialho de Almeida, Rocha Peixoto são autores que aprofundaram essa investigação. Abel Viana, Leite de Vasconcellos, Jorge Dias, Veiga de Oliveira foram estudiosos atentos, que fizeram o levantamento exaustivo de muitas tradições, e de um amplo repositório do património, da cultura do povo.
Note-se que em certas romarias os padres eram hostilizados e a vontade popular se sobrepunha a atitudes, essas sim tendenciosas e obscurantistas.
O pensamento único provoca retrocesso, atraso, ruína. As expressões da identidade de um lugar, de uma região contribuem para o fortalecimento da sua importante diferença. Aquela gastronomia, aquele festejo, aquele ritual, aquele monumento, aqueles artefactos evidenciam uma cultura, um saber fazer, uma atitude perante a vida, o clima e os outros homens que distinguem aquela sabedoria. E isso é uma riqueza que potencia capacidades de atrair visitantes e com eles os benefícios que produzem desenvolvimento. Abandonar, ignorar, esquecer, destruir esse património é um crime por omissão, ignorância e desprezo que devia ser punido, pois mata a memória de um lugar e de um povo.

Acerca do texto do José Manuel Prista
Apenas umas breves notas, pois estou em grande parte de acordo com o articulado, bem estruturado, que não me oferece reparos.
O povo manterá as suas práticas, festas, tradições, indiferente às análises dos eruditos?
E as monografias sobre esta e aquela região, prática, festa e tradição à venda nos locais onde as coisas estudadas se desenrolam?
Não motivarão nenhuma reflexão? Até sobre a evolução dos tempos que provoca mudanças nas festas e tradições...que não ficam imutáveis!
Quantas transformações constatamos se verificarmos como era determinada festa em 1930, 1940 e em 1993!?
Quanto à Tapada das necessidades, registo com agrado a tua opinião. Acrescento que a tapada foi apropriada nos anos 90 pela Junta de freguesia dos Prazeres, com o apoio dos moradores (até aí aquele espaço só podia ser frequentado mediante a apresentação de um cartão que o Ministério da Agricultura emitia)...
Juntemo-nos então aos bons movimentos, aos bons esforços, aos ideiais que ajudam a melhorar a qualidade de vida dos nossos conterrâneos.
Quando Joaquim Palminha da Silva escreveu no Diário do Sul que as portas de Évora são um valor patrimonial em risco, ameaçado pela ignorância e pela formatação, que arrasa a identidade, ou quando a Câmara Municipal de Loulé e a Faculdade de Arquitectura da Univ. Técnica de Lisboa produziram o belíssimo "Guia de Reabilitação e Construção da Cidade de Loulé", ou ainda quando um grupo de cidadãos (Grupo de Amigos) se movimentou em torno da recuperação arquitectónica e ambiental da Tapada das Necessidades, essas e outras iniciativas são merecedoras da atenção deste associativismo e de uma intervenção permanente. Seja no site, no blogue, no boletim, como na necessidade de participação em fóruns e até da promoção de encontros em que esta preocupação seja prioritária.

Lisboa, 16 de Agosto de 2007
Luís Filipe Maçarico
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" A ALDRABA"

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Contributos para um debate



Quando, no inicio de 2005, o núcleo inicial do que viria a ser a ALDRABA se reuniu para avaliar da possibilidade de constituir uma associação que se “afirmasse como interlocutor na defesa e na valorização do património popular em todas as suas vertentes” e “promover a revitalização e dinamização patrimonial, de âmbito local e regional” (entre outros objectivos), a primeira dificuldade que surgiu foi a da escolha de uma frase definidora que completasse o nome já escolhido: optou-se por “Associação do Espaço e Património Popular”.

Optou-se pois por um universo alargado (o popular) em detrimento de outros mais restritos embora mais conformes com a ideia-impulso inicial ( o imaterial e o invisível ).

Este opção, na minha opinião, trouxe alguns problemas. Em primeiro lugar há uma ambiguidade quase inultrapassável no conceito de popular. Dispenso-me de me explicar aqui, dado que é tema no qual já se gastaram rios de tinta. O mesmo direi no que se refere a cultura popular e a património popular.

É evidente que o povo (seja lá o que isso for...) se não preocupa muito com estes problemas, exaustivamente analisados pelos ditos “cultos” ou “eruditos”. Mantém as suas práticas, as suas festas, as suas tradições, indiferente a estas análises. Mas será mesmo assim? É que é curioso verificar que o renascimento de muitas práticas ditas tradicionais em muitas regiões do país tem como pivot precisamente alguns elementos que, embora perfeitamente enquadrados nas populações locais, pensam, como que do exterior, essas mesmas práticas. Será que essa acção dos “eruditos” desvirtua de algum modo a autenticidade das tradições? Penso que não, como penso que não é correcto admitir que o património popular é forçosamente malquisto e desprezado pelos tais “cultos”. Há muitos exemplos do contrário, quer antes de 1910 quer mesmo durante a ditadura...

Também, no terreno concreto da nossa acção se levantam algumas questões.

Por exemplo, se a ALDRABA se empenhasse, como julgo que deveria ter feito (e ainda está a tempo de fazer) na luta pela preservação da Tapada das Necessidades, estaremos a trabalhar em terrenos do património popular? Ou quando manifestamos apoio ao movimento Não apaguem a Memória? Ou quando promovemos uma visita à Quinta da Regaleira?

É evidente que não, como (para mim) é evidente que, não caindo essas acções dentro do espaço popular, elas se enquadram numa perspectiva de actuação que valora o património em sentido lato.

José Manuel Prista

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"A ALDRABA"

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O património popular, a tradição e o progresso


PATRIMÓNIO IMATERIAL, PATRIMÓNIO INVISÍVEL, PATRIMÓNIO POPULAR, TRADIÇÃO...

Estes são qualificativos para qualquer coisa que é depreciada, que não brilha, que não é abrangida pelas campanhas de promoção e de recuperação de um certo legado cultural.

A associação ALDRABA, ao constituir-se em 2005, decidiu chamar a si a referência ao património popular, isto é, aos elementos que, no seu entender, costumam materializar uma atitude de ignorância, de desprezo, de arrogância, da parte dos poderes instituídos, dos “cultos”, dos “entendidos”, relativamente às tradições, aos usos e costumes, à cultura das populações.

Aldrabas, batentes, cataventos, ex-votos, chocalhos, pregões, bonecos de madeira, platibandas, cante, morábitos, doçaria, fontes, jogos, moinhos, empreita, tecelagem, e tantos outros objectos, realidades e usos, são exemplos do que se acabou de descrever. No entender da ALDRABA, carecem de ser valorizados e promovidos.

Será populismo? Demagogia barata? Tradicionalismo acrítico?

Julgamos que não.

Mas temos o dever intelectual de nos questionarmos, de procurar encontrar um conceito que seja sustentado, que possa ajudar a armar os activistas e simpatizantes da ALDRABA contra a oposição dos que, por interesse ou por falta de esclarecimento, se atravessam no seu caminho.

Pretendo dar, para isso, um contributo pessoal, não assente em elaborações académicas (para as quai não tenho qualificações) nem em especulações político-ideolõgicas (para as quais me falta a paciência). Um contributo assente, isso sim, na reflexão e na luta cívica.


TRADIÇÃO VERSUS PROGRESSO

Sabemos alguns – os que tiveram oportunidade de aceder aos rudimentos da língua latina, que está na raiz da língua portuguesa moderna – que o termo “tradição” provém do vocábulo latino “traditio”, que significa aquilo que se entrega, que se transmite de pessoa para pessoa, de geração para geração.

Assim, constituem a tradição todas aquelas realidades materiais ou imateriais, que passam de pais para filhos em qualquer sociedade e que, de alguma forma, integram a identidade de uma certa colectividade humana.

A tradição é “boa” ou é “má”, está voltada para o progresso ou constitui uma amarra ao passado?

Esta é uma falsa questão – digo eu!

Serão “progressistas” todas as referências, todos os elementos culturais que impulsionem os grupos humanos a resolver os seus constrangimentos, a alcançar melhores níveis de educação, de cidadania, de liberdade, de conforto e, numa palavra, de felicidade.

Serão “conservadores”, ou “reaccionários”, aqueles elementos que impeçam as sociedades de evoluir, que justifiquem a ausência de instrução, que legitimem a superstição e o fatalismo, que levem as pessoas a aceitar a opressão e a tirania.

Neste ponto, interessa realçar que o património popular é intrinsecamente dinâmico. Porque, habitualmente, este património é informal, não está cristalizado em edificações físicas nem em códigos jurídicos. Ele representa a capacidade das populações de reagirem às dificuldades, às adversidades, de encontrarem uma “saída” para as “portas fechadas” que os elementos naturais ou a organização social dominante lhes põem à sua frente…

É aqui que se coloca a interrogação: nesta dicotomia, aparentemente tão simples, entre o “progressista” e o “reaccionário”, como é que a tradição e o património popular se situam?

No Portugal do século XX – que experimentou o fim de um regime senhorial corrupto, deposto em 1910, que viveu 16 anos de um liberalismo divorciado das populações do país profundo, que teve depois 48 anos de um sistema autoritário, opressivo e retrógrado, e que finalmente retomou o gosto da liberdade, da democracia e do risco a partir de 1974 –o que significava a “tradição”?

Consoante os intervenientes, a tradição e (acrescento eu) o património popular representavam o saudosismo de um país rural e submisso, que era enaltecidos pelos derrotados do 5 de Outubro de 1910 e do 25 de Abril de 1974, ou, inversamente, constituíam o paradigma da resistência à modernidade e ao progresso, e eram diabolizados pelas forças políticas que reivindicavam o exclusivo da representação do Portugal do futuro…

Para alguns destes últimos, os tais que pretendiam ser representantes exclusivos do futuro do país, a tradição significava aceitação passiva da organização social anterior, ou da correlação de forças favorável ao statu quo ante. A religião, os ritos, a superstição, seriam a expressão mais acabada do reaccionarismo. Ou não será assim?


O PATRIMÓNIO POPULAR É PROGRESSISTA…

Pois eu tenho o atrevimento de afirmar: o património popular é “progressista”, a recusa das tradições é que é “reaccionária”!

Para mim, e seguramente para muitos outros companheiros, o conhecimento e a valorização das referências de cada colectividade local é indispensável para a sua autoestima, para o seu amor próprio, ou seja, para a sua identidade. Quem diz identidade, diz coesão, diz capacidade de reacção ao exterior.

Estaremos, com isto, a procurar legitimar as colectividades fechadas sobre si mesmas, que julgam ser auto-suficientes e que desprezam os contributos do exterior?

De modo nenhum!

Bem pelo contrário, o que se pretende sustentar é que uma colectividade sem identidade, num mundo globalizado e em que se esmagam as diferenças, essa sim, está imediatamente condenada. Condenada a consumir tudo o que lhe ponham à frente, condenada a não contribuir com a sua experiência própria para o conjunto. Em resumo, condenada a desaparecer…

Quem perde nesses casos? Perde a colectividade que desaparece, e perde a sociedade global que não aproveita os saberes daquele grupo concreto! Ou seja, sai vitoriosa a perspectiva “reaccionária”.

Uma colectividade local sem autoestima, para a qual os usos e costumes sejam vivenciados como coisa dos velhos sem instrução, está completamente nas mãos dos “media” e da oferta comercial propriamente dita. Não só não consegue reagir aos eventuais abusos da oferta como, pior ainda, está impedida de dar contributos próprios para o modelo cultural global.

Quem ganha? Ganha o modelo do “pensamento único”, homogéneo e redutor, em que a diversidade cultural não tem lugar. Por outras palvras, prevalece mais uma vez o conservadorismo, perde o progresso.


EM CONCLUSÃO

Estaremos contra o culto primário do passado?
Estaremos contra as convicções pré-científicas que deificam a supremacia dos ricos que humilham os pobres?
Estaremos contra o obscurantismo dos que querem convencer as pessoas “menos letradas” a delegar a defesa dos seus interesses nos “mais cultos”?
Estaremos contra os rituais mágicos que confiam a resolução das doenças e do infortúnio á invocação dos espíritos, em vez da correcção objectiva das causas desses males?

Estamos, com toda a certeza, contra tudo isso!

Precisamente por essa razão, somos a favor da cultura popular, somos a favor de todas as formas de expressão caldeadas pelo sofrimento, pela experiência, pelos saberes familiares e profissionais, e até (por que não dizê-lo?) pela arte de fingir, pela manha de enganar os poderosos…

Por isso proclamamos, com energia: Viva o património popular!

Lisboa, 31/7/2007
José Alberto Franco
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"A ALDRABA"
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COMENTÁRIOS
oasis dossonhos disse...
A primeira reacção que tenho é de aplauso, por te transcenderes e propores esta reflexão pública, que acho muito interessante. Valia a pena, de facto, que toda a gente envolvida na Aldraba e fora dela, que quisesse envolver-se neste debate, aparecesse e deixasse o seu contributo.
Vou entretanto ler com mais atenção, pois um texto deste merece efectivamente esse cuidado.
Obrigado por este momento!
Abraço
Luís
QUINTA FEIRA, AGOSTO 09, 2007 12:11:00 PM

Património do velho Pragal







Há uma semana atrás, sob um sol de lume, fotografei alguns aspectos do Pragal antigo, que nos remete para um tempo de hortas e relações de vizinhança mais afectuosas.
É certo que esta postura ainda subsiste em alguns prédios; porém, tornou-se residual, demodée, com a proliferação de urbanizações, onde abundam moradores que não desejam relacionamentos de proximidade, preservando a distância face aos outros. A indiferença é a marca de uma forma "moderna" de estar. Indiferença que se prolonga na pedra, na memória. Perde-se património, esvai-se a identidade...
Na zona antiga do Pragal, que circunda o Centro de Dia da "Alma Alentejana" a paisagem sobrevivente é uma demonstração do inverso do sentido estético, que a tal forma moderna de estar ampliou.
Cliquem em cima das imagens do portal secular e da porta de alumínio para testemunharem o atentado.
Apetece citar Rafael Albertí : "Pero donde los hombres?"
Fotos e texto:LFM
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De "ÁGUAS DO SUL"
Postado por oasis dossonhos às 10:11 2 comentários

COMENTÁRIOS
Fernando Pinto disse...
Gosto muito destas tuas descobertas, destes teus quintais, deste teu modo singular de "errar"...Abraço do teu amigo FMOP
09 Agosto, 2007 19:11
Ana disse...
Não perdes uma oportunidade, sempre de olho no que te rodeia. Bjs Ana
20 Agosto, 2007 13:47

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Os primos do chícharo


Pedro (Alves) e Carlos (Furtado) organizam há alguns anos em Alvaiázere, terra das suas raízes familiares, o Festival do Chícharo, um acontecimento estimulante, delicioso e incontornável, que Carlos definiu mais ao menos assim, durante um jantar da "Aldraba" na Casa Regional de Alvaiázere:
"Aquela terra não tem o stress do património. Existe é uma serra para subir, uma natureza que convida à descoberta, uma gastronomia rica."
Vão até lá no início de Outubro, que vale a pena. Há exposições, música, tasquinhas, passeios e muitas coisas mais que estes homens inventaram para espalhar prazer e cultura por aquelas redondezas. E sejam muito felizes com as migas de chícharo e o ambiente de festa que se respira por lá...

Texto e fotos de LFM

De "ÁGUAS DO SUL"

Postado por oasis dossonhos às 18:48 0 comentários